No seguimento de um artigo previamente publicado sobre a
mesma temática. Following on
from a previously published article on the same subject. It is published in word
format to facilitate translation into another language.
https://www.idn.gov.pt/pt/publicacoes/idnbrief/Documents/2023/IDN%20brief%20setembro%202023.pdf
A diplomacia informal na guerra da Ucrânia
Os processos conducentes à obtenção de soluções mutuamente aceitáveis pelas partes envolvidas em conflitos, envolvem, normalmente, a participação de vários tipos de atores e de iniciativas diplomáticas complementares, para além da diplomacia formal/oficial designada por Track One Diplomacy (T1D), aquela que envolve os representantes oficiais das fações, que com a sua assinatura veiculam as partes aos termos dos acordos por estas celebrados. Referimo-nos, por exemplo, à negociação e à mediação.
Paralelamente à diplomacia oficial decorrem normalmente iniciativas diplomáticas não oficiais, de diversos contornos, como a Track Two Diplomacy (T2D). Embora normalmente se encontrem próximo dos decisores, os participantes em atividades de T2D não são decisores, mas exercem sobre eles normalmente influência. Através de canais também informais, os membros das fações encontram-se e discutem assuntos relativos àquilo que as opõem.
Ao proporcionar oportunidades aos membros das diferentes fações para debater informalmente questões contenciosas, a T2D funciona em muitos casos como uma antecâmara da T1D. As conversações iniciam-se num formato T2D e, em seguida, são transferidas para um fórum oficial de negociação tendo já sido previamente burilados uma série de assuntos. Nalguns casos, as iniciativas de T2D são o fórum onde se discutem e prepararam as agendas da diplomacia oficial.
Esta prática de diplomacia informal permite às partes compreender os pontos de vista do opositor, em particular as suas linhas vermelhas, contribuindo assim para reduzir as fontes de conflitualidade, criando condições para o sucesso da diplomacia oficial, onde se tomam as decisões.
A T2D tem desempenhado um papel muito importante em vários conflitos. Por exemplo, foi determinante nas discussões que levaram aos acordos sobre o controlo de armamento, oferecendo uma oportunidade informal para testar ideias e respostas seguindo um curso paralelo ao das negociações oficiais. Este tipo de diplomacia foi também decisivo nas discussões entre israelitas e palestinianos para se criarem as condições que levaram aos Acordos de Oslo, em 1993.
Mais recentemente, por iniciativa das ONG, desenvolveu-se o conceito de Track One and a Half Diplomacy (T1,5D) recorrendo à mediação não oficial envolvendo os decisores de topo das partes. Deste modo, aquelas organizações pretendiam alargar o seu domínio de intervenção passando a desempenhar o papel de mediadores. A T1,5D é uma atividade de intermediação levada acabo por atores não oficiais junto de representantes oficiais das fações litigantes, com o objetivo de promover a sua resolução pacífica.
A estes dois conceitos adiciona-se um outro conceito de diplomacia informal, a designada Track Three Diplomacy (T3D), um conjunto de atividades diplomáticas levadas acabo por indivíduos e/ou organizações locais. Em vez de se recorrer a agentes exteriores às sociedades onde decorrem estes conflitos, passamos a ter uma ação diplomática que emerge das próprias sociedades, sendo a ênfase colocada na construção de capacidades no interior das sociedades para gerir os conflitos no longo prazo. Isto significa apoiar a criação de recursos, atores e instituições locais cuja atuação possa contribuir para a resolução de conflitos numa dada sociedade.
Nas tentativas tímidas que começam a emergir com vista a aproximar as fações envolvidas no conflito ucraniano, vários órgãos da comunicação social deram nota de iniciativas de diplomacia informal recentes que podemos considerar no âmbito da T1,5D e da T2D. Falamos de encontros secretos de um grupo de alto nível constituído por ex-funcionários ligados à segurança nacional dos EUA onde pontificam, entre outros, Richard Haass, ex-diplomata e ex-presidente do Council on Foreign Affairs (CFA), Charles Kupchan e Thomas Graham, ambos ex-funcionários da Casa Branca e do Departamento de Estado e também membros do CFA, com Serguey lavrov, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa, académicos, líderes de think tanks e institutos na esfera da política externa russa que, de uma ou de outra forma, mantém uma relação próxima com o Kremlin.
Este grupo tem mantido reuniões regulares com as entidades russas referidas, pelo menos duas vezes por mês, na maioria dos casos por vídeo conferência. Um dos participantes nessas reuniões disse que tem visitado Moscovo pelo menos de três em três meses. Sem surpresa, o Conselho Nacional de Segurança da Casa Branca não confirma a existência destas reuniões, nem os temas alegadamente discutidos.
Nestas iniciativas de diplomacia informal têm-se adotado dois tipos de abordagem: comunicativa e formulativa. Se um dos objetivos é manter os canais de comunicação abertos com a Rússia, transmitir mensagens e identificar assuntos de interesse comum, o outro é o de estruturar a agenda, ajudar a estabelecer as condições que permitam construir um resultado aceitável, e avaliar onde pode haver espaço para futuras concessões com o objetivo de estabelecer bases para as negociações.
Segundo as informações tornadas públicas, a agenda dessas reuniões incluía algumas das questões mais difíceis e controversas da guerra, tanto no domínio das relações entre Washington e Moscovo, como entre Moscovo e Kiev. No que respeita às relações entre as duas potências, ter-se-á alegadamente discutido a necessidade de criar estabilidade na periferia da Rússia. Os EUA terão defendido a necessidade da autonomia estratégica de Moscovo com a contrapartida dos EUA beneficiarem de oportunidades diplomáticas na Ásia Central.
Como dizia Haass,” temos de reconhecer [EUA] que uma vitória total [da Rússia] na Europa poderia afetar os nossos interesses noutras áreas do globo.” Não seria para ele realista cortar completamente os laços entre Moscovo e Pequim, mas essa relação teria de se desenvolver dentro de determinados parâmetros. “o objetivo de Washington é encontrar um equilíbrio que impeça uma consolidação esmagadora do poder russo, em particular na Ásia, onde Moscovo desempenha um papel muito importante.” Na sequência deste debate, vinha então a discussão sobre o destino do território controlado pela Rússia, que a Ucrânia pode nunca vir a ser capaz de libertar e a busca de soluções aceitáveis para ambos os lados.
Quando começa a ganhar forma no seio das elites políticas norte-americanas a necessidade de se iniciar um percurso que conduza à obtenção de uma solução política para o conflito na Ucrânia, dada a impossibilidade de Washington se envolver num processo de T1D, a diplomacia informal nas suas diferentes formas é o instrumento mais adequado para a conseguir.
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